Bebê reborn: mulheres cuidam de bonecas realistas como se fossem de verdade

Você desembolsaria até R$ 12 mil por um boneco? O número de adultos que investem em como fazer bebe reborn é cada vez maior. Conheça a história de algumas dessas pessoas e veja a opinião dos especialistas sobre a mania.

Há cerca de seis meses, fui apresentada para um grupo de mães no Facebook, entre tantos de que já faço parte. Esse contava com 25 mil membros e se chamava Mamães e Futuras Mamães Reborn. Seria mais um, como outro qualquer, não fosse a palavra reborn (renascido) em seu título. Isso significa que, no caso, os filhos dessas mães não são bebês de verdade, mas bonecos hiper-realistas, aqueles que nos fazem confundir com crianças. Já houve casos, inclusive, de policiais nos Estados Unidos que quebraram vidros de carros acreditando ser mesmo um bebê sozinho ali. Eu sabia da existência dessas bonecas, mas não imaginava que eram um fenômeno mundial — no Facebook, as páginas de reborn chegam a quase meio milhão de seguidores em países como México, Reino Unido e Canadá. No Brasil são 1,3 milhão — e que milhares de mulheres no mundo (mães, solteiras, casadas e até avós) levavam essa brincadeira da infância tão a sério. Já membro do grupo, durante meses acompanhei a rotina dessas “mães reborn”, como elas se autointitulam, e percebi a maneira carinhosa como tratam as bonecas, como se fossem filhos e filhas.

Enquanto umas apresentam seus “bebês” penteados dando bom dia às seguidoras, outras solicitam informações sobre compra de roupa ou qual peça é a ideal para a “criança” passear. “Soninho da tarde da minha bebê. O que as suas filhas estão fazendo?”, “Tudo pronto para a sua espera, Helena” e  “Lukinha chegou da escolinha a todo vapor” são alguns dos posts com fotos das bonecas já compartilhados na rede social. E mais: vídeos de como trocar fralda, arrumar o guarda-roupa e a mala da maternidade também são experiências divididas. Tudo que faz parte de uma rotina normal de qualquer família, não fossem os filhos uma ficção.

A paixão é tanta que “mães” e “pais” (sim, eles também são adeptos, apesar de minoria) não se importam de dispender um bom tempo nos cuidados com os bonecos e desembolsar uma boa quantia para comprá-los e mantê-los. Exatamente! Há reborn que custa entre R$ 1.200 e R$ 5 mil, mas o valor pode chegar até R$ 12 mil. Tudo depende do tipo de molde, realismo e trabalho da cegonha, artesã que pinta a pele, implanta os cabelos, cílios e dá o retoque realista a partir do molde cru, feito por escultoras de diversos países.

Vale lembrar que, geralmente, as mulheres não se satisfazem apenas com um reborn. “A maioria que conheço tem mais de um. É que toda hora aparece um molde novo e a gente fica louca para comprar”, revela a auxiliar administrativa Alessandra Gonçalves (que não quis revelar a idade), criadora da comunidade Mamães e Futuras Mamães Reborn. Ela tem oito bonecas, todas com nomes e enxoval próprio. Alessandra já gastou o equivalente a um carro popular zero-quilômetro com elas e tem um custo mensal de cerca de R$ 500. “Além da aquisição dos reborn, tem a compra da fralda, das roupas e dos acessórios. Tenho um quarto só para elas e tudo que um recém-nascido necessita, desde sling até cadeirinha de balanço”, diz.

É claro que esse gasto com um bebê que não é real suscita uma série de questionamentos, de parentes, de amigos ou de quem acompanha o assunto nas redes sociais, seja porque essas mulheres não optam por ajudar crianças carentes, seja por não decidem ter filhos adotivos ou biológicos. “Tenho namorado, pretendo casar e quero ser mãe, só acho que ainda não chegou a hora. Minha coleção não anula o desejo da maternidade, só quero estar preparada para isso”, afirma Alessandra. O noivo dela, Edgar Semensato, não só apoia o hobby como também não vê problema nenhum em passear, assistir à TV ou viajar com as bonecas. “Respeito as escolhas da minha noiva. Fico imaginando como será uma boa mãe quando tivermos nossos filhos”, revela. Alessandra disponibiliza cerca de cinco horas do domingo para cuidar das oito bonecas. “É muito menos do que uma criança necessita diariamente”, diz.

Quem também defende a preferência por um reborn a um bebê de verdade é a babá Viviane Rosano, 39. “Um filho, além da parte financeira, requer uma infraestrutura muito maior. Sem contar a responsabilidade com a educação”, afirma. Viviane está solteira e não deseja uma produção independente. “Para ter um bebê, quero uma família estruturada. Como ainda não tenho, eu fico com as minhas filhas de mentira”, diz ela, que possui quatro bonecas. O test drive com elas é, para a psicóloga clínica Gabriela Azevedo, 25, que coleciona reborn e não tem filhos, uma pequena mostra do que significa a maternidade. “Sei que muita gente cria o filho ‘como dá’. Mas uma criança é uma responsabilidade para a vida toda, não só quando você tem tempo ou quer”, afirma.

Engana-se quem pensa que apenas as mulheres que não têm filhos fazem esse tipo de coleção. Jennifer Santos, 22, que é casada e mãe de Nicolas, 3, conheceu a arte por meio da sogra, Luciana Augusta, 45, mãe de Wellington, 28, e William, 25. No começo, ela achou um absurdo a mãe do seu marido ter gasto tanto dinheiro com a boneca (cerca de R$ 1 mil) e criticou bastante. Depois de pesquisar sobre o assunto, se apaixonou pelo trabalho minucioso dos escultores. Decidiu que queria um bebê reborn. Mas não qualquer um. Queria que fosse parecido com seu filho, que já tinha passado da fase de recém-nascido. “Procurei durante dois meses um molde que lembrasse o Nicolas, mas não encontrei. Acabei adquirindo uma menina”, diz. Só que, poucos meses depois da compra, surgiu um kit limitado que lembrava o filho e ela não pensou duas vezes. “Quero sempre recordar do meu pequeno quando era bem novinho. Foi uma fase muito gostosa”, diz.

Apesar de toda a demanda que já tem com Nicolas, Jennifer se dedica também aos reborn. “Mexo com os bonecos só nos fins de semana, não tenho costume de sair com eles de casa e aproveitei muita coisa do enxoval do meu filho, não comprei quase nada. As bonecas acabam matando a minha vontade de trocar e pegar um bebê no colo”, diz. E como fica o menino nisso tudo? Segunda a mãe, Nicolas não sente ciúme dos irmãos fictícios. “Ele sabe que não pode pegar porque estraga. E eu sei bem diferenciar. Pelo meu filho, sinto amor incondicional, pelas bonecas é apenas cuidado e admiração pela arte”, revela.

Mas nem tudo é diversão na casa de Jennifer. O marido não aprova seu hobby. “Ele não gosta, acha estranho, colocou a culpa na mãe dele por ter me inserido nesse mundo. Infelizmente, há muito preconceito com as colecionadoras de reborn. Acham que somos loucas, frustradas e desocupadas. Quando adquiri a menina, sempre me perguntavam por que eu não tentava ter uma filha de verdade em vez de cuidar de uma boneca falsa. É claro que, como sou nova, pretendo ter outro filho. Mas vou esperar um pouco, pois sei o peso da maternidade. Eu quis comprar por admirar a arte, a pintura, os escultores e as cegonhas que fazem cada detalhe parecer real. Que problema tem nisso?”, desabafa.

Foi justamente por conta dos julgamentos que a psicóloga Gabriela Azevedo parou de produzir vídeos para o seu canal no YouTube. “Eu gostava muito de fazer role playing, que são vídeos em que a pessoa encena apenas por diversão. Muitas meninas entravam no meu canal e gostavam. Mas, como psicóloga, inclusive de crianças, decidi não me expor para não comprometer meu trabalho. O atendimento ficaria muito prejudicado se os meus pacientes vissem meus vídeos. Eles poderiam passar a me ver como amiga deles e não como profissional que está ali para ajudar e tratá-los”, explica.


BRINCADEIRA PERIGOSA

Ver uma mulher exercendo a maternidade com uma boneca pode parecer estranho. Mas, se o faz de conta é tão importante para o aprendizado das crianças, já que é a forma que descobrem e compreendem o mundo, e brincar de boneca desperta nelas o cuidar e estimula a vontade da maternidade/paternidade, desde a infância, seria um problema isso se estender para a vida adulta? “Eu vejo o comportamento do adulto muito parecido com o dos pequenos. O que uma pessoa ganha brincando de boneca? Ela irá aflorar exatamente esse desejo de cuidar de alguém ou alguma coisa, como plantas e animais, atitude que está cada vez mais escassa na nossa sociedade. Embora pareça esquisito, precisamos entender que não há nada de errado nisso”, explica a psicóloga Rita Calegari, do Hospital São Camilo (SP).

Para o psicólogo Aurélio Melo, professor da Universidade Mackenzie (SP), o assunto é polêmico por causa da humanização de objetos. “Essa relação é muito vazia porque é como se a pessoa interagisse com ela mesma. As diferenças, frustrações, trocas, brigas e dificuldades, que são normais entre os seres humanos, essenciais para vivermos em sociedade, são perdidas”, defende. Ele acredita que, com o tempo, o real e o imaginário acabam se confundindo e há quem passe a acreditar na fantasia que criou. Resultado? A brincadeira pode se tornar um transtorno psicológico. “É o mesmo que acontece com as pessoas que mentem, e acreditam na farsa, e as viciadas em substâncias químicas, como álcool, drogas, comida e outras situações que provocam prazer, como sexo. Ela só se satisfaz com a substância ou o objeto, necessita dele e faz de tudo para tê-lo, de forma que não encontra a felicidade em outro lugar”, diz Melo.

Quem faz essa mesma analogia entre reborn e drogas é o psiquiatra americano Keith Ablow, professor de psiquiatria na Tufts University School of Medicine, de Boston (EUA). Em um artigo que escreveu sobre o assunto para a Fox News (EUA), ele diz que as bonecas reduzem a ansiedade pela substituição de uma ilusão da maternidade. Mas, como os tóxicos, elas só atrasam o acerto de contas inevitável que todos devem enfrentar. Uma mulher que usa um bebê de mentira evita sentir a realidade de que não tem um filho de fato. E, como todas as formas artificiais de evitar o desconforto, alimentar a ideia falsa só vai aumentar o incômodo. Para Ablow, se fosse apenas uma paixão de colecionadora, seria um hábito menos nocivo.

Fonte: https://revistacrescer.globo.com/